Câmpus Saúde | Doutora pela UFRGS e fundadora da startup
Núcleo Vitro relembra sua trajetória de pesquisa e relata como
é o trabalho de uma cientista com seu próprio negócio
Formada em Odontologia pela UFRGS, Bibiana Matte é um caso de destaque em pesquisa acadêmica. Em 2015, logo após a conclusão da graduação, venceu o Prêmio Jovem Pesquisador UFRGS, o que lhe proporcionou passe livre para o doutorado. Quatro anos depois, já com o título de doutora e uma startup criada, ela venceu, ano passado, o edital Doutor Empreendedor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) para o desenvolvimento de uma pesquisa mais “ousada”, segundo ela. Sua empresa, a Núcleo Vitro, está tentando desenvolver “carne cultivada”.
“A ideia da carne cultivada é que tu isola células bovinas, traz pro laboratório, cresce e diferencia elas num produto semelhante à carne para consumo humano. Então tu tem um produto de carne, com sabor, nutrientes da carne, mas sem necessidade de abater realmente animais.”
Seria um achado e tanto para a empresa que desde o começo preocupou-se com o bem-estar animal. A atividade principal da Núcleo – as pesquisas de portfólio, como são chamadas – é avaliar a segurança e a eficácia de produtos de outras empresas, a partir de testes com metodologias in vitro, ou seja, sem o uso de testes em animais. “A gente se posicionou desde o início com testes in vitro, que são metodologias alternativas ao uso de animais”, afirma Bibiana. O site da Núcleo afirma que sua missão é “desvendar o que está acontecendo nas células com o contato de produtos e trazer esta informação para as empresas”.
O princípio da pesquisa de Bibiana, ainda no doutorado, era o desenvolvimento de modelos de pele e mucosa bucal em ambiente de laboratório. A intenção era entender os processos. “A gente começou desenvolvendo modelos das duas principais camadas da pele, a derme e a epiderme. A partir deles a gente já desenvolveu também a pele pigmentada, pra entender como os produtos podem afetar a questão da produção de melanina nas células da pele”, relata. Atualmente, a Núcleo Vitro busca desenvolver um modelo de pele envelhecida e de uma bioimpressora.
A fundação da empresa levou tempo, mas a origem estava em uma inquietação de Bibiana sobre o que seria seu futuro após o doutorado. Seu interesse maior era a rotina de laboratório, células e pesquisa; a carreira de professora não a interessava tanto. Daí a decisão de empreender no ramo. “A partir do contato que eu tive na Maratona de Empreendedorismo [em 2016], comecei a entender que etapas seriam necessárias para viabilizar uma vontade de algo concreto”, conta. “Até que a gente realmente conseguiu estruturar uma ideia de serviço, de modelo de negócios, que foi existir em 2019.”
A startup, que também é ligada ao Parque Científico e Tecnológico Zenit, da UFRGS, atende empresas do Brasil e do mundo. Atualmente, de acordo com a sua fundadora, são mais de 120 empresas em mais de 10 países.
Nas redes sociais, principalmente LinkedIn e Instagram, a Núcleo também realiza um trabalho educativo. “Eu tinha essa questão de querer que as pessoas também entendessem um pouco do que a gente entende, e isso é superdesafiador”, conta Bibiana. “O Marcelo [Lamers, seu orientador] sempre fala que o conhecimento vem da interface de dois segmentos diferentes.”
“Eu acredito muito que ao utilizar ferramentas das redes sociais, explicando o que a gente faz, a gente consegue trazer mais pessoas para a conversa e colaborando ao mesmo tempo”
Bibiana Matte
Aquele sonho de infância de um dia virar dentista e atender num consultório acabou perdendo o protagonismo ao longo da graduação. A oportunidade de uma iniciação científica ainda no final do primeiro semestre despertou sua curiosidade para a pesquisa e abriu portas para trabalhos no exterior. Com uma bolsa do CNPq, conseguiu, durante a graduação, desenvolver uma pesquisa no frio da Universidade de Michigan, no norte dos Estados Unidos. Mais tarde, fez o doutorado sanduíche na Universidade da Califórnia, nos ares quentes de San Diego, na costa oeste daquele país.
O começo da pandemia, porém, afetou fortemente as atividades da Núcleo. “No primeiro mês, todas as atividades práticas de laboratório foram interrompidas, por não se ter muito conhecimento sobre o que se fazia, sobre o que ia acontecer”, diz Bibiana. A ansiedade era grande para entender o que estava acontecendo, buscar informações sobre o vírus e saber o que o meio científico estava pesquisando, principalmente por intermédio dos preprints. Em maio, porém, o tino de cientista não deixou que ela ficasse longe do seu ambiente de trabalho. “A gente acabou querendo se aliar pra fortalecer o combate à pandemia, mas isso num momento ainda de muita cautela, sempre poucas pessoas no laboratório. Então a gente passou a desenvolver estudos voltados para a pandemia, que são estudos antivirais, para avaliar produtos que tenham essa capacidade”, afirma Bibiana.
Embora a ligação com a UFRGS siga sendo importante para o seu trabalho, ela conta que, além das reuniões nos diretórios acadêmicos e as refeições no RU, sua maior saudade são as aulas práticas de histologia e patologia. “Ali nos cursos da saúde a gente tem bancadas com microscópios em que a gente vai vendo as lâminas pra entender os tecidos, pra depois entender as doenças nas patologias”, lembra.
“Se eu puder mencionar um momento mais acadêmico, com certeza são esses momentos das aulas práticas. Poder ver os tecidos e trocar ideias de como que é uma célula, que cara que tem esse tipo de tecido, essa doença; sempre foi algo que me interessou, que me apaixona, que é esse mundo do laboratório”
Bibiana Matte
Fonte: https://www.ufrgs.br/jornal/bibiana-matte-ciencia-e-empreendedorismo/